Se existe uma palavra que define a essência do povo português, é “desenrascanço”. Esqueça a disciplina alemã ou a pontualidade britânica: em Portugal, quem sobrevive e prospera é quem sabe “desenrascar-se”. Mas o que é, afinal, esse tal desenrascanço? E por que ele se tornou uma marca registrada do país?
O que é “desenrascanço”?
“Desenrascanço” não tem tradução direta. Em inglês, seria algo como “to wing it”, “make do” ou “improvise”. Mas vai além: é a capacidade de encontrar uma solução, geralmente em cima da hora, com poucos recursos e, muitas vezes, criatividade quase milagrosa. É resolver um problema inesperado sem planeamento, simplesmente porque precisa ser feito – e pronto.
De onde vem esse talento?
A raiz histórica é simples: Portugal é um país pequeno, com recursos limitados e uma longa história de adversidade. De navegações em barcos frágeis, passando por invasões, crises económicas, regimes autoritários e mudanças sociais, os portugueses sempre tiveram de se virar com o que tinham. Não havia luxo de planejamento detalhado ou abundância de recursos. O segredo era improvisar e resolver na hora.
Desenrascanço no dia a dia
Quer um exemplo? Imagine que acabou a água em casa e o canalizador só pode vir em três dias. O português dá um jeito: improvisa um balde, adapta a mangueira, pede ajuda ao vizinho. Ou, se o computador avaria antes de uma apresentação, não entra em pânico: copia tudo para um pen drive, pede o portátil emprestado do colega e segue em frente.
Outro exemplo clássico: a burocracia. Portugal é famoso pela papelada e processos lentos. Mas quem vive aqui sabe: sempre há um “jeitinho”, uma solução de última hora, um documento que “aparece” quando já parecia impossível.
O lado bom do desenrascanço
É fácil romantizar o desenrascanço. Na prática, é uma habilidade de sobrevivência e adaptação – uma resposta à escassez e à incerteza. Permite encontrar soluções rápidas, economizar tempo e dinheiro, e superar obstáculos que deixariam outros paralisados. É flexibilidade mental, resiliência e criatividade na veia.
O lado negativo (sim, existe)
Mas atenção: desenrascar não é sempre sinónimo de virtude. Muitas vezes, serve de desculpa para falta de planeamento, improviso de má qualidade e soluções que só tapam buracos. É o famoso “depois logo se vê”. Em contexto profissional, pode resultar em erros, atrasos e retrabalho. Pior: pode perpetuar a mentalidade de que não é preciso organizar ou antecipar, porque “no fim tudo se resolve”.
Conclusão: Virtude ou defeito?
No fundo, o desenrascanço é as duas coisas: virtude e defeito. É uma resposta cultural à realidade portuguesa. Numa emergência, é ouro puro. No dia a dia, pode ser perigoso se se tornar rotina.
Resumindo: o desenrascanço é um superpoder nacional, mas como todo superpoder, deve ser usado com sabedoria. Quem sabe planejar e, mesmo assim, desenrascar quando preciso – esse sim está pronto para viver (e sobreviver) em Portugal.
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